quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ARTIGO: AVALIAÇÃO LIMITES E POSSIBILIDADES...

Artigo Celso dos Santos Vasconcellos Junho 2007
A avaliação: limites
e possibilidades
Algumas aproximações

Algumas aproximações
No contexto da arte de educar, certamente a arte de avaliar representa
um enorme desafio, até porque, como sabemos, pela forma
como se avalia pode-se comprometer todo o processo educativo.
1. Breve resgate histórico

A prática de aprovar/reprovar o aluno no final do ano parece
algo natural, que sempre foi assim. Mas isto não corresponde aos
fatos. Se formos resgatar a gênese histórica da distorção da avaliação
no interior da escola elementar – seu caráter classificatório e
excludente –, podemos encontrá-la entre meados do século XV e
o início do século XVI, justamente no momento em que há uma
forte valorização da educação e da escola, por uma série de fatores
(aumento da população nas cidades, aumento da demanda de profissionais
qualificados para tocar os negócios em franca ascensão,
esboço de uma reforma católica, a descoberta da educabilidade humana,
a virada antropocêntrica, a disputa religiosa entre católicos
e protestantes). Essa valorização faz com que aumente muito o número
de alunos nas escolas, até então pulverizadas em pequenas
salas anexas a catedrais, mosteiros ou paróquias. Os professores
de então tinham uma formação muito precária; os conteúdos e
métodos, oriundos da universidade, não eram apropriados para
as crianças; a língua utilizada era o latim e não o vernáculo; as
classes eram lotadas, os recursos didáticos limitados. Aumentam
fortemente, então, os problemas de indisciplina na sala de aula.
Diante disso, e num contexto favorável, como estratégia de motivação
para o estudo, passa-se a usar a avaliação com um caráter
classificatório e excludente, através da junção de dois dispositivos
pedagógicos que até então estavam separados: a reprovação e a
divisão dos alunos em séries. Desta união, surge a repetência: a
prática de o aluno não aprovado frequentar novamente uma pequena
parcela – série – de seu curso.
2. Avaliação e motivação
Se pensarmos a avaliação no seu sentido radical, libertador,
isto é, como processo de análise da realidade e de mediação para
manter ou alterar a prática em função da finalidade pretendida,
ela é, de fato, um poderoso elemento motivador: o sujeito se
anima quando percebe que sua ação está dando resultado ou se
mobiliza para superar-se quando percebe que ainda não atingiu
seu objetivo. Todavia, ao considerarmos o caráter classificatório
e excludente da avaliação, a situação é totalmente diferente.
Querer usá-la como elemento motivador é uma contradição
performativa, uma contradição nos próprios termos, uma vez
que a aprendizagem humana é essencialmente uma prática da
liberdade; ora, diante da situação constrangedora da avaliação
autoritária, o educando se fecha, bloqueando sua capacidade de
aprender. Há um nítido deslocamento: sua atenção não está na
apreensão do objeto de conhecimento, mas em encontrar uma
estratégia de sobrevivência, sendo muito comum a memorização
mecânica. Evidência disso é que, nesse tipo de prática avaliativa,
pouco tempo depois os alunos simplesmente esqueceram quase
tudo aquilo que responderam na prova.
Efetivamente, a motivação, a mobilização para o conhecimento,
desempenha um papel decisivo no processo de aprendizagem (uma
vez que o conhecimento novo se dá a partir do conhecimento prévio,
e este não está sempre disponível, sendo necessária uma carga
afetiva para acioná-lo). Se desejamos a motivação do aluno, precisamos
de coragem para ir fundo na questão e superar o currículo
disciplinar instrucionista, alterando a organização do trabalho pedagógico
como um todo.
3. Núcleo do problema da avaliação
Muitas têm sido as tentativas de mudança da avaliação. No entanto,
muda-se, muda-se, e não se consegue transformar a prática. Por que
isso ocorre? Entendemos que isso acontece por não se estar atingindo o
que é essencial. Onde estaria o núcleo do problema da avaliação?
• No seu conteúdo: abrangência. Avaliar só o aluno ou outros aspectos
do trabalho, avaliar só o aspecto cognitivo ou o aluno
como um todo?
• Na sua forma: exigência quantitativa. A questão mais delicada
é o processo, dividido entre fragmentação e continuidade?
A ênfase exagerada na avaliação classificatória? O desafio de
elaboração adequada dos instrumentos? A forma de expressão
dos resultados (nota, conceito, parecer descritivo)?
• Na sua intencionalidade: finalidade, objetivo. O problema está
na função a que se presta a prática educacional? No uso que se
faz dos resultados da avaliação?
• Nas suas relações. A dificuldade principal está na metodologia
de trabalho em sala de aula, nas condições de trabalho, no sistema
de ensino, na condição de vida dos alunos?
O acompanhamento de processos de mudança da avaliação em
escolas e redes de ensino tem demonstrado que:
(1) A mudança em certos aspectos da avaliação (conteúdo, forma,
relações) sem mudança na sua intencionalidade não
tem levado a alterações mais substanciais;
(2) A mudança na intencionalidade da avaliação, mesmo sem
maiores mudanças em outros aspectos num primeiro momento,
tem possibilitado avanços significativos do trabalho.
Localizamos, por exemplo, mudanças no conteúdo (“avaliar o aluno
como um todo”, prova operatória) e na forma de avaliar (“avaliação
contínua”) contraditoriamente sendo utilizadas para classificar
melhor os alunos... Professores trabalhando no cotidiano de forma
interativa (mudança na metodologia), mas usando a avaliação apenas
para rotular, levando o aluno a ficar preocupado com a nota e
não com a aula.
Ocorre que, se os instrumentos não forem utilizados para captar
as necessidades dos alunos e superá-las, continuaremos orbitando
o “mundo da nota”, da lógica classificatória.
4. Centralidade da intencionalidade da avaliação
Todavia, a mudança da intencionalidade, mesmo quando não
acompanhada, a princípio, por mudanças maiores nas outras dimensões,
já pode produzir mudanças significativas na prática. Por
exemplo, o professor, ainda que trabalhando com nota, e já tendo
uma nova visão de avaliação, não se prende à nota enquanto tal. O
docente passa a usá-la como um simples indicador da aprendizagem
do aluno em face de um projeto aberto que não tem receio de
ser afirmado, mas é capaz de dialogar e pode, portanto, ser revisto.
Ele logo se põe a analisar com o educando onde estão os limites e
as dificuldades para traçar formas de intervenção pedagógica. Num
outro exemplo, o professor, ingênuo, corrige suntuosamente em
vermelho o instrumento de avaliação (“pinta” toda a atividade do
aluno, o que representa um desrespeito pela obra do outro, gerando
raiva e distanciamento), mas, quando da devolução, é tão acolhedor
e orientador, que aquele deslize não chega a se constituir problema
para o aluno. Há que se analisar, pois, a atitude radical do professor,
sua intenção de fundo.
Pode haver mudança no conteúdo e na forma de avaliar, pode haver mudança na metodologia de trabalho em sala de aula e até
na estrutura da escola e da sociedade. No entanto, se não se tocar
no que é decisivo, o caráter mediador da avaliação – intervir na realidade,
a fim de transformar –, se não houver um reenfoque da
própria intencionalidade da avaliação, de pouco adiantará.
Por isto é que afirmamos que, em termos específicos da avaliação,
a intencionalidade é determinante, é o problema nuclear da avaliação
5. Cuidados
É certo que não podemos estabelecer uma dicotomia entre a intencionalidade
e as outras dimensões (fazer isto seria cair na distorção
idealista), até porque os fins não se realizam sem os meios
pertinentes! Com o tempo, não há intenção nova que se sustente
se não estiver apoiada em uma nova forma de avaliar, num novo
conteúdo, nas condições de trabalho etc. Desejamos, contudo, deixar
clara sua centralidade. Por seu turno, ser central não significa
necessariamente anterioridade temporal: muitas vezes, a mudança
começa pela forma de avaliar (seja pela maior visibilidade, seja
mesmo pela facilidade de operacionalização); a exigência neste
caso, porém, é que a modificação na forma esteja direcionada para a
nova perspectiva e que, no processo, chegue também aos desdobramentos
no campo específico da intencionalidade emancipatória.
Além da preocupação em não instituir dicotomia com as outras
dimensões, alguns cuidados devem ser reforçados em relação à intencionalidade:
• Não tomá-la como absoluta, definitiva (ela é histórica, contextual:
muitas vezes, a clareza maior da intenção vem com o próprio
caminhar);
• Não reduzi-la a um campo por demais particular ou específico
(não perder de vista o todo);
• Não confundi-la com a realidade (trata-se de planos que, embora
necessariamente relacionados, são distintos: ser capaz de
sonhar não é ainda o realizar);

Não usá-la como refúgio dos conflitos, para encobrir as contradições
da prática (esta seria uma apropriação ideológica);
• Não deixar de perceber seu enraizamento na realidade (as
ideias não surgem do vazio; condicionam, mas também sofrem
condicionamentos).
Ao radicalizar a intencionalidade da avaliação, o educador
acaba se remetendo à intencionalidade da própria atividade
educativa, vislumbrando a necessidade da alteração de todos os
aspectos nela envolvidos.
 6. Outras possibilidades
Ainda que muito resumidamente, apontamos a seguir algumas
práticas que podem ajudar o professor a concretizar, em sala de
aula, uma intencionalidade libertadora da avaliação:
• Adequar o nível de exigência; ser professor dos alunos concretos
que tem e não virar professor de “determinados conteúdos
preestabelecidos”;
Desenvolver metodologia de trabalho interativa em sala de
aula;
• Abordar o conteúdo de forma diferente e buscar expressões diversificadas
do conhecimento;
• Fazer retomada dos assuntos (currículo em espiral ascendente);
• Trabalhar as dificuldades assim que se manifestarem; não deixar
acumular;
• Dialogar sobre as dificuldades dos alunos na aprendizagem
(postura de investigação, pesquisa);
• Ajudar aluno a se localizar no processo de ensino-aprendizagem
(metacognição);
• Adequar o nível de dificuldade das atividades propostas em
sala (atuar na zona de desenvolvimento proximal), levando o
aluno ao sucesso na sua realização e, consequentemente, fortalecendo
sua autoestima, o que é condição para novas aprendizagens.
A concretização de uma nova intencionalidade é, a nosso ver, o
maior desafio contemporâneo da avaliação da aprendizagem. Ao mesmo
tempo, representa a abertura de grandes possibilidades de fazer
dela um autêntico instrumento de qualificação da aprendizagem.
Celso Vasconcellos é doutor em Educação pela USP, mestre em História
e Filosofia da Educação pela PUC-SP. Pedagogo e filósofo. É responsável pelo
Libertad – Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica. *

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Arte - Cores complementares

CORES COMPLEMENTARES 





  


As cores complementares são aquelas que ocupam lugares opostos no círculo cromático.

A cor primária que não faz parte da mistura da cor secundária é chamada de cor complementar.  


As cores complementares são:

Vermelho e verde

Laranja e azul

Amarelo e roxo

Tanto as cores complementares quanto o preto e o branco, quando estão juntos, criam um efeito contrastante, vibrante:

Observe esta tela de Stuart Davis, artista americano expressionista abstrato. Ele usou cores puras, vibrantes, contrastantes, como as cores complementares, o preto e o branco. 

arte- Linha expressiva em arte

2. 

Linha - unindade expressiva

Na linguagem visual, as linhas podem ser usadas literalmente, como na tecelagem, nos bordados ou nas esculturas de arame. Escultura de arame: escultura feita com fios de aço ou de ferro. O artista plástico Alexander Calder criou esculturas de arame que são como linhas dora do papel.



 Um grupo de artesãs guatemaltecas confecciona, em teares tradicionais, mantas e tecidos de colorido brilhante com fibras naturais, em alguns casos previamente tingidas com tinturas naturais.

 Esta peça, produzida em Nuremberg em princípios do século XVIII, serve como uma aula de bordado. Os diversos tipos de bordado aparecem especificados nos cinco retângulos da parte inferior.



ARTE: Ponto - o elemento mais simples

1. PONTO CULMINANTE MAIS SIMPLES
O ponto é o elemento mais simples da linguagem visual.

Quando batemos com a ponta do lápis no papel estamos fazendo um registro, uma marca.

Este registro pode ser feito com materiais diferentes em suportes diferentes e, por isso, pode ter características peculiares e ter diversas interpretações.

Por exemplo: um ponto feito com carvão ou giz pastel é mais seco, e deixa registrado o gesto do artista, a intensidade da força de sua mão ao desenhar.

Pontos feitos com bico de pena e nanquim são delicados e suaves, e podem criar texturas.

Pontos feitos com uma goiva na madeira criam texturas que podemos sentir ao tocarmos em relevos entalhados.

Pequenos furos feitos na argila criam texturas nas cerâmicas e podem caracterizar a produção artesanal de um povo.
Pintura corporal Ianomâni

 
Observe a pintura corporal deste índio ianomâni. Ela representa sua tribo.

Pontos coloridos pintados numa superfície, um ao lado do outro, podem criar uma ilusão de ótica que une as cores para criar outra cor. Essa técnica de pintura é chamada de Pontilhismo, e seu criador foi Georges Seurat, pintor francês pós-impressionista.
 

Um domingo de verão na ilha da Grande Jatte” (1884-1886),
de Georges Seurat

Pontos feitos com tinta respingada numa tela guardam um momento, uma ação que o artista quis deixar registrada para sempre.

Observe esta tela de Jackson Pollock, artista plástico americano expressionista abstrato. Seu trabalho é chamado de action paint, “pintura de ação”.
 

“Branco e negro” (1948), de Jackson Pollock

Exercicios de arte

1 - Por que a arte visual é uma linguagem?
2 - Por que a compreensão dos elementos da linguagem visual nos faz reconhecer estilos e a produção de arte de um povo?
3 - Co se chama o arranjo dos elemntos visual?


Exercício de arte

3. O que é arte visual?

a) É o tipo de arte captada pela visão.
b) É uma manifestação natural do ser humano.
c) É um tipo de arte útil.
d) É um tipo de arte feita para a apreciação.
e) Todas as anteriores se completam.                                            4. Por que a arte visual é uma linguagem?                   

Oficina de arte - O que é composição visual?

Todos os trabalhos de arte visual são composições, e para compreendê-las é necessário conhecer os elementos que estruturam a linguagem e os princípios que regem a combinação desses elementos.

A composição é a organização ou arranjo dos elementos da arte visual de acordo com os princípios da arte visual.


Elementos da linguagem visual

Os elementos que estruturam a linguagem visual são chamados de elementos formais. Estes elementos fazem parte de objetos de arte visual, como as imagens, esculturas e edifícios, e transmitem muitos sentimentos e sensações. Os elementos formais são:

Ponto   - valor
Linha - forma
textura - figura
cor - espaço

 






Princípios da linguagem visual

Podemos organizar os elementos da linguagem seguindo alguns princípios. Os artistas visuais utilizam os elementos a fim de criar um trabalho especial e pessoal, que resulta em expressão.

Os princípios da linguagem visual são:


Equilíbrio Ritmo
Ênfase   Padrão
Proporção   Harmonia
Movimento   Variedade




Exercícios de arte










1. Podemos definir a arte:
a) como a produção simbólica do ser humano.
b) através do meio usado para a expressão artística.
c) conforme sua utilidade.
d) como uma manifestação natural do desenvolvimento humano.
e) todas as anteriores


2. Quais são os tipos de arte que os homens produzem?
a) visual
b) corporal
c) musical
d) verbal
e) mista
f) todas as anteriores            








       












 
                                     

Oficina de arte parte 3/3

A arte visual é uma linguagem?

A arte visual também é definida como uma linguagem.

Existe um conjunto de elementos que estrutura a arte visual e que pode ser ensinado e aprendido.

Esses elementos carregam consigo interpretações e significados que estão ligados aos sentimentos humanos. Eles não estão ligados ao discurso lógico e racional da linguagem escrita ou da matemática, pois são ambivalentes e cada pessoa pode interpretar a seu modo uma obra de arte visual criada pelo homem.

O estudo da História da Arte fica mais completo quando dominamos a linguagem, pois o que diferencia a produção de arte de determinada civilização ou período da História é também o uso que os homens fazem dos elementos da linguagem.

A compreensão dos mais diferentes modos de se utilizar a linguagem é uma chave para um baú de tesouros chamado Cultura.  Definição cultura: crenças, condutas, linguagem e forma vida de um grupo de pessoas em um determinado período. Engloba costumes, cerimônias, arte, tecnologia e, em sua interpretação estética, os êxitos artísticos e intelectuais de uma sociedade. Encontra-se estreitamente associada às formas culturais promovidas pelas instituições escolares e estatais(Fonte: enciclopédia Microsoft Encarta)

É a compreensão da linguagem que nos ajuda a reconhecer a produção cultural de um povo.

Oficina de arte parte 3/2 - O que é arte visual???

Ou pode ser feita apenas para apreciação, como as esculturas e pinturas.



Escultura “Davi” (1501-1504),
em mármore, de Michelangelo.


Ela também pode ser encarada como uma manifestação natural, parte do desenvolvimento humano, pois as crianças e os povos primitivos utilizam desenhos e pinturas para expressar seus sentimentos e o que apreendem do mundo a sua volta.

 
 Pintura rupestre em Traful, Argentina.


 

Oficina de arte parte 3 - O que é arte visual?

O que é arte visual?

A arte visual é o tipo de expressão artística que é captada pela visão.

Ela também é definida conforme seu meio, ou sua mídia, como o desenho, a pintura, a escultura, a arquitetura, a fotografia, o cinema e o vídeo.

Ela pode ser útil, como a cerâmica e a tecelagem.

(artesão trabalahando a argila no torno).

Oficina de arte parte 2

Através dos sons, como na música. Através dos gestos, como na dança.


Dança de uma tribo de Mali, na África.

 Ou através de todas essas manifestações ao mesmo tempo,como no teatro.
 Representação de "Le retour au désertt", de Bernard- Marie Koltes



Oficina de arte - parte 1

1. 

O que é arte?

Nós, homens, somos seres racionais.

Mas não é apenas a capacidade de raciocinar que nos diferencia dos outros animais. Somos, também, seres simbólicos, pois criamos símbolos cheios de significados para interpretar o que percebemos do mundo e de nós mesmos.

Nenhuma outra espécie é capaz de simbolizar, fantasiar, sonhar, criar, imaginar...

A arte é um tipo de produção simbólica do ser humano.


Pinturas rupestres: da Gruta da Altamira, na Espanha, com 15.000 anos de antiguidade.
Pinturas rupestres são pinturas e desenhos feitos pelo homem do Paleolíticos em cavrnas e abrigos rochosos.

Através das palavras, como na poesia.


“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!”
"O navio negreiro", poesia de Castro Alves    

Português - É possível aprisionar as palavras???

Texto real e classes de palavras: é possível aprisionar as palavras???

Introdução

Vamos destacar aqui alguns pontos que consideramos básicos para uma reflexão mais sistemática sobre o ensino de língua materna.
É importante discutir, ainda, e principalmente, sobre o papel das classes de palavras, ou melhor dizendo, da classificação das palavras em classes, ou ainda, do valor semântico das próprias palavras quando o que queremos destacar é o texto e seu contexto. Aí, nesse caso, " lé pode começar a não bater com cré"... Quer ver?

É possível aprisionar as palavras???

 

EXEMPLO 1: Charge da Mafalda. Quadro 1: Mafalda diz: "Que bom, chegou a primavera!". Quadro 2: Mafalda vê dois velhinhos conversando: "Que bom, cheguei à primavera!". Quadro 3: Mafalda retruca: " E eu dizendo trivialidades..."

Fonte: QUINO, 1993


 Analise, no último quadrinho da charge, a reflexão de Mafalda. Essa reflexão refere-se a quê? Que modificações de sentido são introduzidas na charge, a partir da mudança verbal e da crase (lembra-se? Junção do "a" preposição com o "a" artigo, que fica assim:à) no lugar do artigo?

 Foto de placa com os seguintes dizeres - "Pousada Alto do Penedo - {H} á melhor vista da cidade - a letra "h" e o acento foram colocados por algum transeunte

  anúncio trazido de Penedo também trabalha com a modificação de sentidos, a partir da colocação de uma letra, criando outro vocábulo no texto apresentado. Como é essa utilização e qual a modificação que ela construiu?
Nos três exemplos há constituição de sentidos diferentes a partir da utilização das palavras em, aparentemente, pequenas modificações gramaticais (Mafalda), ou em acréscimo de letras que, criando outra palavra - e modificando a classes da palavra - constrói outro sentido (placa de Penedo).
Isso nos leva à pergunta que abriu esta oficina: é possível aprisionar as palavras? E acrescentamos outras:
  • As palavras se deixam aprisionar?
  • As classes de palavras são determinantes nas interpretações que realizamos em alguns textos ?

Adicione-se a estas perguntas o fato de que estamos, tão somente, refletindo sobre a relação existente entre a categorização sistemática das palavras em classes gramaticais e seu uso corrente em textos. Em outras palavras, sobre a ascendência das questões gramaticais sobre a fala e a escrita existentes no cotidiano de nossa comunicação. E se pensássemos, agora, sobre a importância do texto - e de seu contexto - na construção de sentidos quando nosso cenário é a escola, mais precisamente, a sala de aula???
Provavelmente, nossas reflexões nos encaminham a pensar sobre a conveniência do trabalho com o texto, ao invés do trabalho que vivenciamos quando alunos - as palavras soltas, fragmentadas, no máximo conectadas em orações ou períodos geralmente sem sentido para nós - e que nos fazem, até hoje, perguntar: O que é ensinar língua materna?
 Esperamos ter deixado você, professor, com muitas dúvidas acerca da natureza da língua materna; dos usos que a constituem e, principalmente, de seu ensino nos anos iniciais do ensino fundamental... Um de nossos objetivos era esse: deixar você com a "pulga atrás da orelha" em relação à sempre eterna pergunta: será que nós ensinamos, realmente, a língua materna???

Português - Elecando a literatura - parte 1

Planejamento a formação do aluno leitor-autor

Introdução

É comum ouvirmos dizer que o poeta tal - Carlos Drummond de Andrade, por exemplo - podia escrever desta ou daquela maneira porque era escritor, era autor. E quantas vezes nós nos incomodamos com essa prepotência literária? Quantas vezes pensamos: para eles, tudo; para nós, as regras gramaticais!
Leia a carta "Querida Ângela" e vamos pensar juntos. Nela, o autor escreve sempre preocupado com as questões formais da língua. Sua autoria recebe, pois, a interferência do que afirmamos acima - das regras gramaticais.
Veja, como exemplo, a passagem abaixo:
O verbo haver "embanana" a minha fala: houve reuniões ou houveram reuniões? Quando penso que sei, descubro que não sei.
(...)
Fico imaginando as crianças que estão começando a aprender: será que elas também têm dúvidas (têm, teem, ou tem?). Como será que elas resolvem as dúvidas?
Como você pode perceber, o autor tem dúvidas acerca da utilização "correta" do verbo haver; sobre o uso adequado do verbo ter, e questiona-se a esse respeito. Mas Carlos Drummond de Andrade também escreveu que
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
...E Drummond, "errou" ? Não, apenas utilizou-se de uma licença poética...


Refletir sobre a relação leitor-autor.

Pelo rumo desta nossa prosa, você já deve ter percebido que autoria é uma questão cujo debate envolve outras questões. Mas, neste momento, interessa-nos, mesmo, refletir sobre a relação leitor-autor.
Durante muito tempo, pensou-se que a autoria era totalmente individual e intransferível. Em outras palavras, quem escrevia um texto era dono desse mesmo texto e só ele - esse dono - tinha o poder de saber o que suas palavras realmente queriam dizer. Os leitores, neste caso, eram passivos, ficavam presos às palavras escritas, tentando decifrá-las, ou melhor, tentando adivinhar aquilo que seu autor queria realmente dizer...
Bem, se nós pensamos assim, como ficam as cabecinhas de nossos alunos, no momento exato de escrever, de expressarem suas ideias no papel? E no momento de ler ou interpretar o que outros escreveram?
Hoje, com o advento de teorias como a Estética da Recepção, por exemplo, percebemos que as coisas não são bem assim. Ou seja, sabemos que o leitor tem um papel importantíssimo na construção dos sentidos de um texto. E que o autor precisa contar com essa participação em sua obra porque ela, a partir do momento em que é lida, torna-se coletiva : processo conjunto - autor-leitor(es) - produto de todos aqueles que a leem.
Ora, essa releitura acerca da relação autor-leitor precisa entrar na sala de aula, você não acha?
Acreditamos que é muito importante para a criança entender os atos de ler, de escrever e - por que não? - de interpretar, como ações que fazem parte de sua rotina de estudos, mas que também são atos que devem fazer parte de seu cotidiano, independentemente do fato de ela encontrar-se - ou não - em sala de aula.

Planejar a utilização da relação leitor-autor em sala de aula, para o ensino da língua.

É nesse sentido que queremos construir uma outra prosa com você, que já percebeu a importância de seu trabalho docente há muito tempo. Se é que você ainda não trabalha assim, que tal fazer de cada um de seus alunos um leitor múltiplo, um produtor de textos? Será tão difícil assim???
Pense conosco. Se você lhe pede para escrever uma "redação", você está utilizando um chavão já conhecido e levando seu aluno a escrever um texto igual a tantos outros que ele já escreveu. Quando você lhe diz que o "tema é livre", na maioria das vezes você o deixa cheio de dúvidas: Será que o tema escolhido lhe agradará ? Esse tema é realmente "livre"?
Por outro lado, quando você lhe solicita que leia um texto em voz alta, nem sempre se lembra de perguntar-lhe se ele entendeu o que leu. Então, aquela leitura serviu para quê?
Vamos tentar algo diferente? Se consideramos que ler, interpretar e produzir textos são ações imprescindíveis para que o ser humano entenda e construa o mundo que o cerca; se vemos em cada um de nossos alunos um ser humano, um cidadão, um futuro profissional, podemos pensar em, por exemplo...
Fazer da sala de aula um espaço de encontro de múltiplas linguagens ...
Possibilitar momentos de leitura em diversas linguagens, entretecendo-as com textos orais e/ou escritos...
Trabalhar com as diversas formas de leitura , entremeando situações de análise e de síntese dessa leitura...
Criar situações de debate, de pesquisa e/ou de reflexão que possibilitem a produção de textos diversos por parte dos alunos, individualmente ou em grupos...
Enfatizar a importância do diálogo e do debate em momentos de avaliação das produções orais ou escritas, individualmente ou em grupos...
Enfim, ler o mundo e ser capaz de expressá-lo de diversas formas, sob diversas linguagens, e com autonomia de sua autoria.
Estas são algumas possibilidades que vislumbramos quando pensamos em um trabalho com a língua materna que envolva o aluno, realmente, em situações de produção; que o transforme em sujeito ativo na construção de sua identidade linguística e cultural. E, principalmente, que o auxilie a compreender o mundo em que vive a partir das palavras que emite - oralmente, ou através da escrita.
E você, professor, pode ser o elemento facilitador dessa construção.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião.

Verificar a importância de se perceber o aluno como um leitor e um autor de sua própria palavra.

É importante que a criança perceba, nesses atos complementares, não apenas um compromisso com uma habilidade cognitiva, mas também - e principalmente - que estabeleça uma relação tal de intimidade com a palavra oral e/ou escrita que não fique na situação descrita por Carol (na carta), com dúvidas, medos e incertezas diante de um dos mais completos meios de expressão de que dispõe: a língua materna.
Essa intimidade - proximidade precisa ser lúdica, prazerosa; ao mesmo tempo, crítica e criativa, impulsionando-a a ler, escrever e interpretar alinhavando sentidos, costurando outros sentidos ao que lê e/ou escreve. ..
Essas ações devem proporcionar-lhe momentos em que se perceba como autor de sua própria palavra e como leitor de múltiplos sentidos, o que é infinitamente gratificante, e também se constitui como um processo de construção própria, principalmente ao falarmos sobre identidade, cidadania e poder da língua.
Em outras oficinas , falamos sobre a importância de ter um outro olhar para a língua que utilizamos; de enxergá-la como instrumento de cidadania, de construção de identidade. Ora, para entendê-la assim, é preciso que tenhamos uma relação menos hierarquizada, mais próxima com nossa língua materna. E a escola pode e deve desempenhar essa função.

Planejar a utilização da relação leitor-autor em sala de aula, para o ensino da língua.

É nesse sentido que queremos construir uma outra prosa com você, que já percebeu a importância de seu trabalho docente há muito tempo. Se é que você ainda não trabalha assim, que tal fazer de cada um de seus alunos um leitor múltiplo, um produtor de textos? Será tão difícil assim???
Pense conosco. Se você lhe pede para escrever uma "redação", você está utilizando um chavão já conhecido e levando seu aluno a escrever um texto igual a tantos outros que ele já escreveu. Quando você lhe diz que o "tema é livre", na maioria das vezes você o deixa cheio de dúvidas: Será que o tema escolhido lhe agradará ? Esse tema é realmente "livre"?
Por outro lado, quando você lhe solicita que leia um texto em voz alta, nem sempre se lembra de perguntar-lhe se ele entendeu o que leu. Então, aquela leitura serviu para quê?
Vamos tentar algo diferente? Se consideramos que ler, interpretar e produzir textos são ações imprescindíveis para que o ser humano entenda e construa o mundo que o cerca; se vemos em cada um de nossos alunos um ser humano, um cidadão, um futuro profissional, podemos pensar em, por exemplo...
Fazer da sala de aula um espaço de encontro de múltiplas linguagens ...
Possibilitar momentos de leitura em diversas linguagens, entretecendo-as com textos orais e/ou escritos...
Trabalhar com as diversas formas de leitura , entremeando situações de análise e de síntese dessa leitura...
Criar situações de debate, de pesquisa e/ou de reflexão que possibilitem a produção de textos diversos por parte dos alunos, individualmente ou em grupos...
Enfatizar a importância do diálogo e do debate em momentos de avaliação das produções orais ou escritas, individualmente ou em grupos...
Enfim, ler o mundo e ser capaz de expressá-lo de diversas formas, sob diversas linguagens, e com autonomia de sua autoria.
Estas são algumas possibilidades que vislumbramos quando pensamos em um trabalho com a língua materna que envolva o aluno, realmente, em situações de produção; que o transforme em sujeito ativo na construção de sua identidade linguística e cultural. E, principalmente, que o auxilie a compreender o mundo em que vive a partir das palavras que emite - oralmente, ou através da escrita.
E você, professor, pode ser o elemento facilitador dessa construção.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião.

Português- Trabalho com a Linguagem ensino fundamental

Introdução

Em outras oficinas, entramos na discussão do que seja língua e ensino de língua nos anos iniciais do ensino fundamental, apresentando as relações que a língua - manifestação da linguagem verbal - possui com o poder, as ideologias, a cultura e identidade de um povo. Refletimos, também, sobre o ensino de língua, a partir do estudo das classes de palavras e das relações existentes entre sua organização e os enunciados que elaboramos, ao falar ou ao escrever. Agora, pretendemos afunilar e aprofundar essas discussões, percorrendo o espaço mesmo da própria língua, de seu uso verbal, sem deixar de lado as outras linguagens, tão importantes no nosso cotidiano e no de nossos alunos...
Conforme já vimos em outras oficinas, a língua escrita possui uma formalidade que a oralidade não detém. Em outras palavras, ao escrever, o usuário da língua utiliza construções linguísticas mais apuradas (entenda-se, afeitas à norma padrão, à norma culta...) do que quando se comunica oralmente com alguém. Por isso, não falamos como escrevemos. Veja, por exemplo:

Exemplos de mensagens oral e escrita

 Repare que as duas mensagens têm significado semelhante: uma pessoa cumprimenta a outra e pergunta sobre seus pais. No entanto, os textos diferem, na medida em que estão sendo utilizados em contextos e modalidades igualmente diferentes.

O que é texto?

Os usuários de uma língua, ao utilizarem-na oralmente ou na forma escrita, produzem textos diferentes. Perguntamos a você: afinal, o que é um texto??? Você consideraria como textos os exemplos abaixo???
Charge de Miguel Paiva

Charge de Ique





Retirantes, de Cândido Portinari



Repare que, para nós, os exemplos constituem-se como textos. O porquê? Ah, o porquê está, exatamente, na concepção que temos de comunicação, de expressão, de jogo de sentidos...
Produzir texto é constituir sentidos; estes sentidos se dão a conhecer a um leitor que pode inferir outros sentidos ao que quisemos expressar - dependendo da realidade em que vive, de seu aporte cultural, de sua visão social de mundo -, é, portanto, fácil perceber que entendemos texto em um sentido bastante amplo.
Esses sentidos se dão a conhecer, por exemplo, graficamente - através da palavra escrita; oralmente, através da palavra falada; imageticamente - através de imagens plásticas, pictóricas, fotográficas, visuais, em geral. Desta forma, olhar um outdoor e dar sentido ao todo que ele representa significa interpretar um texto.
O mesmo acontece com os nossos exemplos. Eles constituem-se como imagens e não trabalham com linguagem verbal alguma. Isto é diferente para nós, acostumados a pensar sobre o texto a partir do que está escrito - va lá! - do que se fala... mas nunca, do que "apenas" se vê...
Quanto ao exemplo 04, você vê o movimento dos dançarinos em cena. Vê, ainda, o vestuário, a pintura-maquiagem do corpo, evidenciando o mesmo tema dos exemplos anteriores - a fome, a miséria, a seca. E isto constitui-se em um texto, pois você pode "lê-lo", percebê-lo através desses signos que se mostram a você.
Nesse sentido, verificamos que temos um texto quando há constituição de sentidos, sejam eles verbais ou não verbais. Não se esqueça que a língua é a manifestação verbal da linguagem...

Como ler o trabalho dos alunos

Provavelmente, nas redações feitas por seus alunos, você encontrará vários desenhos. E se perguntará: por que fulano "perdeu tanto tempo" desenhando, ao invés de "escrever a redação" que eu pedi? Olhe com mais atenção, e veja que esses desenhos são textos que seu aluno escreveu para você, ou para ilustrar a produção que você lhe solicitou... As crianças trabalham muito com a imaginação, com outras linguagens que acabam completando o que as palavras, por vezes, não conseguiram dizer. Por isso, é tão importante trabalhar, ao mesmo tempo, com outras linguagens e a língua - uma de suas manifestações -, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental. Para as crianças, o "fundamental" é expressar suas ideias, sentimentos, independentemente da linguagem que utilizem... E, por vezes, é mais fácil para elas a expressão não verbal.
Da próxima vez que seu aluno utilizar esse artifício, e analise-o. Verifique se as linguagens se interpenetram, ou seja, se o imagético, o pictórico mantêm relação com o verbal, o escrito. É importante trabalhar com os mais variados textos em nossa sala de aula, pois imagens, movimento, cor, som, palavra são veículos da expressão, da elaboração de ideias, da exposição de sentimentos. E como nós, seres humanos, precisamos desses veículos - principalmente nossas crianças!!!
É claro que, nestas oficinas, privilegiamos um desses instrumentos - a palavra oral e/ou escrita - o texto verbal. Mas se as outras formas estiverem por perto, que bom... como nosso texto se torna cada vez mais rico!
 Resumo
Nesta aula, falamos sobre a amplitude do termo linguagem, que comporta manifestações humanas verbais e não verbais. A língua é manifestação da linguagem verbal.
Trabalhamos, também, com a importância da utilização das diversas linguagens em sala de aula, enfatizando a língua como manifestação da linguagem verbal.

Referências bibliográficas

Charges do Jornal do Brasil

Língua Portuguesa - Parte 3

Introdução

Nesta oficina pretendemos dar alguns exemplos do uso de palavras que, sendo empregadas numa determinada classe gramatical, são usadas com outra classe, assumindo um novo sentido. Você vai perceber que, muitas vezes, esse uso diferenciado causa um certo estranhamento, que nós percebemos, mas nem sempre conseguimos identificar. Aqui, queremos mostrar de que maneira essa identificação acontece, e como essa percepção contribui para a aquisição de novas estratégias linguísticas.


Ilustração de dentista dizendo "Calma, já vai acabar. Como bom paciente, seja paciente!"


 Você já percebeu que, na fala do dentista, a palavra "paciente" aparece duas vezes. Em cada uma delas, o sentido é diferente, e a classe gramatical também. Essa possibilidade de utilizar a mesma palavra com classes diferentes faz com que a geração de sentidos crie enunciados de variadas intenções. Com relação, especificamente, à palavra "paciente", a mudança de classe e a consequente mudança de sentido permitem jogar com as diferenças.

Classes de palavras: uso diferenciado

É o que vamos observar, mais apuradamente, no texto que se segue, de Carlos Eduardo Novaes.

A cadeira do dentista

Fazia dois anos que não me sentava numa cadeira de dentista. Não que meus dentes estivessem por todo esse tempo sem reclamar um tratamento. Cheguei a marcar várias consultas, mas começava a suar frio folheando velhas revistas na antessala e me escafedia antes de ser atendido. Na única ocasião em que botei o pé no gabinete do odontólogo - tem uns seis meses -, quando ele me informou o preço do serviço, a dor transferiu-se do dente para o bolso.
- Não quero uma dentadura em ouro com incrustações em rubis e esmeraldas - esclareci -, só preciso tratar o canal.
- É esse o preço de um tratamento de canal!
- Tem certeza? O senhor não estará confundindo o meu canal com o do Panamá?
Adiei o tratamento. Tenho pavor de dentista. O mundo avançou nos últimos 30 anos, mas a Odontologia permanece uma atividade medieval. Para mim não faz diferença um "pau-de-arara" ou uma cadeira de dentista: é tudo instrumento de tortura.
Desta vez, porém, não tive como escapar. Os dentes do lado esquerdo já tinham se transformado em meros figurantes dentro da boca. Ao estourar o pré-molar do lado direito, fiquei restrito à linha de frente para mastigar maminhas e picanhas. Experiência que poderia ter dado certo, caso tivesse algum jeito para esquilo.
A enfermeira convocou-me na sala de espera. Acompanhei-a, após o sinal-da-cruz, e entramos os dois no gabinete do dentista, que, como personagem principal, só aparece depois do circo armado.
- Sente-se - disse ela, apontando para a cadeira.
- Sente-se a senhora - respondi com educada reverência -, ainda sou do tempo em que os cavalheiros ofereciam seus lugares às damas.
Minhas pernas tremiam. Ela tornou a apontar para a cadeira.

- O senhor é o paciente!
- Eu?? A senhora não quer aproveitar? Fazer uma obturaçãozinha, limpeza de tártaro? Fique à vontade. Sou muito paciente. Posso esperar aqui no banquinho.
O dentista surgiu com aquele ar triunfal de quem jamais teve cárie. Ah! Como adoraria vê-lo sentado na própria cadeira extraindo um siso incluso! Mal me acomodei e ele já estava curvado sobre a cadeira, empunhando dois miseráveis ferrinhos, louco para entrar em ação. Nem uma palavra de estímulo ou reconforto. Foi logo ordenando:
- Abra a boca.
Tentei, mas a boca não obedeceu aos meus comandos.
- Não vai doer nada!
- Todos dizem a mesma coisa - reagi. Não acredito mais em vocês!
- Abra a boca! - insistiu ele.
Abri a boca. Numa cadeira de dentista sinto-me tão frágil quanto um recruta diante do sargento do batalhão.
Ele enfiou um monte de coisas na minha boca e tocou o dente com um gancho.
- Tá doendo?
- Urgh argh hogli hugli.
Os dentistas são tipos curiosos. Enchem a boca da gente de algodão, plástico, secadores, ferros e depois desandam a fazer perguntas. Não sou daqueles que conseguem responder apenas movendo a cabeça. Para mim, a dor tem nuances, gradações que vão além dos limites de um sim-não.
- A anestesia vai impedir a dor - disse ele, armado com uma seringa.
- E eu vou impedir a anestesia - respondi duro segurando firme no seu pulso.

Ele fez pressão para alcançar minha pobre gengiva. Permaneci segurando seu pulso. Ele apoiou o joelho no meu baixo ventre. Continuei resistindo, em posição defensiva. Ele subiu em cima de mim. Miserável! Gemi quase sem forças. Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa. Lembrei-me de Indiana Jones e, num gesto rápido, desviei a cabeça. A agulha penetrou a poltrona. Peguei o esguichador de água e lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou com a seringa.
- Não pense que o senhor vai me anestesiar como anestesia qualquer um - disse, dando-lhe um tapa na mão.
A seringa voou longe e escorregou pelo assoalho. Corremos os dois pra alcançá-la, caímos no chão, embolados, esticando os braços para ver quem pegava a seringa. Tapei-lhe o rosto com meu babador e cheguei antes. A situação se invertera: eu estava por cima.
- Agora sou eu quem dá as ordens - vociferei, rangendo os dentes. - Abra a boca!
- Mas... não há nada de errado com meus dentes.
- A mim você não engana. Todo mundo tem problemas dentários. Por que só você iria ficar de fora? Vamos, abra essa boca!
- Não, não, não. Por favor - implorou. Morro de medo de anestesia.

Era o que eu suspeitava. É fácil ser corajoso com a boca dos outros. Quero ver continuar dentista é na hora de abrir a própria boca. Levantei-me, joguei a seringa para o lado e disse-lhe, cheio de desprezo:
- Você não passa de um paciente!


Jogo de palavras

No texto de Carlos Eduardo Novaes, há mais de uma ocorrência da utilização de uma determinada palavra com classes diferentes. Uma delas, e a mais flagrante, é, como já dissemos, a palavra "paciente". Ela é usada num jogo de palavras em dois momentos do texto: o primeiro, quando o narrador oferece a cadeira à atendente, que lhe diz " O senhor é o paciente!" , ao que ele retruca "Fique à vontade, sou muito paciente"; o segundo, no final do texto, quando o narrador, ao constatar o medo do próprio dentista em relação à anestesia, atesta "Você não passa de um paciente!"
Vamos aos poucos. No primeiro exemplo, a fala da enfermeira traz a palavra "paciente" como substantivo, que significa "aquele que será atendido por médico ou dentista". A resposta do personagem, contudo, já utiliza a palavra como um atributo, com o sentido de "aquele que tem paciência". A mudança de classe - de substantivo para adjetivo - possibilita a mudança de sentido que, no caso do texto, leva a um jogo de palavras. No segundo exemplo, o uso torna-se ainda mais complexo. Repare que, antes de julgar o dentista como apenas um "paciente", o personagem faz a seguinte afirmação:"Quero ver continuar dentista é na hora de abrir a própria boca." O jogo de palavras, aqui, tem o objetivo de remeter a um significado diferente do que elas normalmente têm. Dentista equivale a corajoso, em oposição a paciente, que, pela leitura do texto, passa a significar covarde. Dentista e paciente, substantivos que, originalmente, têm um determinado sentido, passam, no texto, a adjetivos com sentidos equivalentes aos de outras palavras - no caso, corajoso e covarde.
Trata-se de um uso estilístico, mas nada impede que você ou seus alunos queiram criar jogos de palavras e usos desse tipo em seus textos. Como sabemos, o importante é que se saiba em que momento usar o quê, ou seja, tudo depende da adequação.
As palavras que "pulam" de uma classe para outra mostram que não há como cristalizar classificações, embora essas palavras continuem sendo utilizadas dentro de uma determinada lógica semântica. Veja, agora, o que Caetano Veloso faz num trecho da música "O quereres":

(...)
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e o que não há em mim.
Na música de Caetano Veloso, o desvio é total quando, em vez de o verbo "querer" assumir o papel do substantivo, esse papel é desempenhado pela forma verbal conjugada "quereres", o que também ocorre com "estares". Ao lançar mão desse uso, o compositor torna absolutamente pessoal o substantivo querer, que deixa de ser um desejo - significado que a palavra assume quando substantivo - para ser o desejo da pessoa com quem ele fala. Assim, "o quereres" e "o estares" são substantivos que expressam o desejo do outro, que é o interlocutor do poeta. A norma-padrão prevê a existência de "querer" como verbo e como substantivo, mas o "infinitivamente pessoal" quereres não está nessa previsão. Entretanto, ele faz absoluto sentido quando usado dessa forma.

As palavras se revelam?

 

A constatação de que as palavras não pertencem, rigorosamente, a uma determinada classe gramatical nos ajuda a compreender melhor por que não é útil para o aluno memorizar nomes e conceitos. Se podemos criar novas formas de utilização das palavras, e se a classe das palavras varia de acordo com essas formas de utilização, então é preciso que se saiba utilizá-las de várias maneiras, e, principalmente, entendê-las em seus múltiplos empregos. Essa funcionalidade faz parte das estratégias de aquisição das estruturas linguísticas que buscamos utilizar com nossos alunos, sem que precisemos bombardeá-los com nomenclaturas que não colaborarão para que eles usem melhor a língua.
Nesse sentido, podemos dizer que os desvios em relação à norma-padrão podem ser voluntários, ou seja, pode-se querer lançar mão de um uso não previsto pela norma-padrão quando se tem um objetivo como o que analisamos nos textos "A cadeira do dentista" () e "O quereres" (). Isso nos ajuda a perceber que desvio não é erro - e isso nós já discutimos em aulas anteriores. O que aqui queremos deixar claro é que o desvio pode não ser, simplesmente, a assimilação de uma forma da oralidade que se vai legitimando pelo uso, mas constituir uma opção de uso na fala ou na escrita visando a um objetivo específico.
A opção por um uso que se desvie da norma-padrão representa um fato linguístico altamente relevante, pois traduz a necessidade que o falante tem de gerar novos sentidos para novos enunciados. Essa necessidade não é nem tem de ser exclusividade de escritores e poetas. Nossos alunos, como usuários da língua, podem querer jogar com as palavras e seus sentidos, e cabe a nós instrumentalizá-los para que se vejam aptos a lidar com a língua de maneira menos normativa e mais gerativa.
As pistas para esse caminho estão lançadas: leitura, antes de mais nada; escrita, sempre. A percepção da organização das palavras e das relações de dependência entre elas deve ser resultado do contato com a língua via textos. As frases soltas, descontextualizadas, em que as palavras aparecem sempre aprisionadas nas mesmas classes e sem nenhum desvio - até porque, fora de contexto, o desvio perde o sentido - não contribui para que o aluno se torne proficiente no exercício de usar as palavras a seu favor. Ao dizer isso, não queremos, de maneira alguma, que o uso da língua seja instrumento de poder, mas de um poder especial, que é o de poder compreender e o de ser compreendido - dominar a língua, em vez de sentir-se dominado por ela.
 Resumo
Vimos que as palavras não estão presas numa mesma classe gramatical. Lemos textos que demonstram o uso estilístico do desvio em relação à norma-padrão. Encaminhamos, por fim, uma reflexão a respeito da capacitação de nossos alunos no que diz respeito ao uso da língua.

Referências bibliográficas:

NOVAES, Carlos Eduardo. Apud: Linguagem Nova. 7ª série. São Paulo: Ática, 2002.
VELOSO, Caetano. Caetanear. Polygram.

Língua Portuguesa - Parte 2

Adjetivos

Repare que não é necessário dizer que as palavras que expressam características são adjetivos - mesmo porque, isso nem sempre é verdade. Olhe o esquema novamente: as expressões "fogo no rabo", "vento nos pés" e "pernas enormes" servem para caracterizar o menino, mas não são adjetivos, tal como a gramática nos apresenta essa classe de palavras. Essa constatação é, para nós, muito importante, na medida em que vamos começando a perceber que o aprisionamento das palavras em classes rígidas não funciona, assim como a conceituação de uma determinada classe pode ser extrapolada, como acontece agora.
Continuemos com nossa leitura. Vamos resgatar o seguinte trecho: "Se quebrava um vaso aqui, logo já estava lá. Às vezes cantava lá e logo já estava aqui." Nessa passagem do texto, há palavras que se tornam fundamentais para expressas o quanto o menino é inquieto. Essas palavras indicam movimento, daí expressarem a agitação do personagem. Vamos colocá-las, também, num esquema:

Esquema de palavras
 As palavras que estão nas bolinhas são, nesse momento do texto, centrais, pois elas, além de expressarem movimento - e, com isso, contribuírem para a caracterização do personagem - descrevem suas ações (no texto em questão, é bom que se diga). As palavras que estão ligadas a elas expressam o lugar onde o menino se encontra - aqui e lá - tão rápido que podemos entender por que ele tem "vento nos pés". Se trocarmos essas palavras, tudo o que está dito no texto deixa de ter o mesmo sentido.

O importante é criar 

 Vamos fazer um exercício, só por curiosidade. Vamos substituir as palavras dependentes de "menino" e de "estava" por outras, que funcionem da mesma maneira.

 

Esquema de palavras dependentes de "menino" e de "estava"

 

Percebeu? A organização permaneceu a mesma, e as palavras utilizadas continuam a expressar características do menino e o lugar onde ele se encontra. O que muda é a história. Afinal, nada do que está escrito no esquema anterior nos remete ao menino maluquinho do Ziraldo! Nosso aluno, contudo, vai se pautar justamente na analogia para criar seus próprios enunciados, uma vez que a instrumentalização das classes de palavras já terá sido apreendida a partir do exercício da leitura.
Para que ele lance mão das possibilidades de criação de enunciados não é necessário conceituar ou nomear as classes das palavras. É preciso, isso sim, habilitá-lo a compreender como cada uma funciona e levá-lo a exercitar essa habilidade. O dinamismo da língua não está somente em empregos não previstos pela norma-padrão, mas também na criação de significados implícitos naquilo que cada um cria, pois cada vivência é única e preciosa para que possamos aprender uns com os outros, cada vez mais.
Nossos alunos precisam, mais do que aprender regras, ser estimulados a criar. Como o menino maluquinho, que "quanto mais deixavam ele criar, mais o menino inventava..."
 

Resumo

Nesta aula, falamos sobre a organização e a funcionalidade das palavras em nossa língua.
Trabalhamos, também, com a noção de palavras básicas e palavras dependentes.
Por fim, lançamos uma proposta de trabalho, que deverá ser continuada mais adiante.

Referências bibliográficas:

ZIRALDO. O menino maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

Língua Portuguesa - Estudos gramaticais Parte - 1

O enunciado e a geração de sentidos 

Precisamos lembrar que, numa língua, as palavras se organizam de acordo com regras sintáticas que tornam lógico o enunciado. Assim, podemos dizer que, na língua portuguesa, as palavras são construídas e organizadas em torno de duas classes principais: o substantivo e o verbo. Entretanto, é importante perceber que, em contexto, essa regra se torna relativa, já que é possível criar enunciados que abram mão dessas classes, uma vez que elas podem estar implícitas em enunciados anteriores. Também é necessário ter em mente que, ainda que sejam as palavras principais - ou básicas - da língua, o substantivo e o verbo não dão conta da construção de mensagens complexas, em que se precisa dizer mais do que essas palavras dizem. Como, então, se pode pensar nessa organização?
Uma vez que recordamos, na oficina "O que a gramática nos diz", as classes de nossa língua, podemos fazer um ensaio em que elas aparecem nomeadas, para, mais adiante, pensarmos num mecanismo em que os nomes deixem de ocupar o primeiro plano desse esquema. Pensemos, então, na seguinte configuração:
Esquema de classes de palavras

 A partir desse esquema, podemos trabalhar com as possibilidades de geração de sentidos que a organização do enunciado permite. Para o aluno, é importante perceber que a mudança de uma palavra dependente acarreta alteração - e, consequentemente, nova produção - de sentido do que se diz ou se escreve.

A conceituação das classes de palavras torna-se bastante frágil diante dos fatos dinâmicos da língua. Por isso, mais relevante que esses conceitos é a funcionalidade de cada classe de palavras. Quando falamos em funcionalidade estamos falando na aquisição dos mecanismos de instrumentalização dessas palavras, de modo que seu uso, tanto oral quanto escrito, se torne proficiente. De nada serve a nossos alunos reconhecer o nome de cada palavra se ele não percebe de que maneira ela funciona na língua.
Assim, procuramos buscar uma metodologia que ofereça ao aluno a possibilidade de pensar e de construir - pensar sobre o que lê e ouve; construir o que fala e escreve.
Nesse sentido, o exercício da leitura e da escrita - necessariamente nesta ordem - torna-se pilar de sustentação dessa metodologia. Imaginemos uma aula em que nosso objetivo seja apresentar ao aluno a organização das palavras na língua. Como poderíamos fazer? Que tal começar com... claro, um texto!

O menino maluquinho (fragmento)

Ziraldo
Era uma vez um menino maluquinho. Ele tinha o olho maior que a barriga, tinha fogo no rabo, tinha vento nos pés, umas pernas enormes (que davam para abraçar o mundo) e macaquinhos no sótão (embora nem soubesse o que significava macaquinho no sótão.)
Ele era um menino impossível! Ele era muito sabido, ele sabia de tudo, a única coisa que ele não sabia era como ficar quieto. Seu canto, seu riso, seu som nunca estavam onde ele estava. Se quebrava um vaso aqui logo já estava lá. Às vezes cantava lá e logo já estava aqui. Pra uns, era uirapuru, pra outros, era um saci.
Na turma em que ele andava, ele era o menorzinho, o mais espertinho, o mais bonitinho, o mais alegrinho, o mais maluquinho. Era tantas coisas terminadas em inho que os colegas não entendiam como é que ele podia ser um companheirão.(...)

Substantivo e verbo

 

Esquema de classes de palavras

 Resgatando o esquema apresentado, estaremos trabalhando com duas classes básicas: os substantivos e os verbos. Os dependentes do substantivo - artigos, numerais, pronomes e adjetivos - e os dependentes do verbo - advérbios - aparecem ligados às classes principais. O texto proposto oferece uma rica rede de relações que vão além de sua leitura superficial. Afinal, trata-se de um texto literário, cuja característica diferencial é justamente a pluralidade de leituras. Com isso, o primeiro passo é trabalhar com a própria leitura do texto, procurando, nesse momento, destacar:

  • De quem o texto fala?
  • O que o texto fala?
O texto fala de um menino. Dele, se diz que: é maluquinho, tem o olho maior que a barriga, tem fogo no rabo etc. Então, podemos imaginar essas informações organizadas, esquematicamente, da seguinte forma:


Esquema de informações organizadas


Trocando em miúdos, o que isso significa? Significa que uma das palavras mais importantes que temos no texto é a palavra "menino". É dele que o texto fala, por isso, sem essa palavra, o assunto do texto não existiria. Se trocássemos essa palavra por outra, o texto seria outro, diferente, com outro(s) significado(s). As palavras que giram em torno da palavra "menino" são informações que o texto nos dá a respeito desse menino. Essas informações nos dizem como ele é, o que os outros pensam dele. Se mudarmos essas palavras, continuaremos a falar do menino, mas estaremos mudando as informações a seu respeito. Assim, podemos considerar que "menino" é uma palavra básica - ela é o centro do que vai ser narrado, e as que orbirtam a seu redor são palavras dependentes - pois têm como função enumerar características do menino.




Cont. do quê é ensina? conclusão.

Resumo

  • A língua, como processo, constrói-se na interação. Também pode ser vista como produto pronto, estruturado nas gramáticas, dicionários e sistematizado, pedagogicamente, nos livros didáticos.
  • O ensino de língua materna também pode ser visualizado a partir das duas posições acima apontadas: ensino como produto, partindo de conteúdos gramaticais pré-definidos ou como processo a ser construído pelos falantes e escritores dessa língua.
A cada uma dessas concepções, corresponde uma visão social de mundo - ideológica, apreendendo o produto; ou utópica percebendo os processos.

Bibliografia

MAZARIN. Breviário dos Políticos. São Paulo: Editora 34, 1997.
GERALDI, João Wanderley. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: ALB, Mercado das Letras, 1996. p. 53-54.

Continuação do que é ensinar???

Se você conseguiu enxergar, no primeiro quadro, uma menina - muito bem!!! Mas se enxergou igualmente uma senhora idosa, muito bem também!!!
Se no segundo caso, duas faces foram vistas, ótimo. Se, ao contrário, você percebeu apenas uma, sem problemas... Pode ser visto desta forma, também...
Se, no terceiro quadro, você visualizou o livro de costas para você, enxergou bem. Porém, se o encontrou aberto para você, além de ter visto bem, é ainda uma pessoa que gosta de ler... Que bom atributo para um professor !
Sobre visões sociais de mundo, leia o capítulo 1 do livro Ideologia e Ciências Sociais, de Michel Löwy. Você irá gostar!!!
Brincadeiras à parte, o fato de não visualizarmos, obrigatoriamente, as mesmas imagens, abre perspectivas para o entendimento da relatividade das coisas e representações no mundo. Em outras palavras, nosso entorno social e econômico nos possibilita diferentes versões para um mesmo fato ou imagem; diferentes visões sociais de mundo - ideológicas -, quando reforçam o status quo - ou contraideológicas, utópicas -, quando apontam para uma realidade ainda não existente, a ser construída, portanto.
Ao pensarmos sobre visões sociais de mundo, não podemos nos esquecer de que elas estão presentes em nosso cotidiano; na forma como vemos a realidade e a entendemos; no modo como percebemos as imagens ; enfim, em todos os nossos atos, inclusive em sala de aula, quando ensinamos língua materna...

A sala de aula e o professor

Sabemos que a língua materna faz parte de nosso cotidiano. Afinal, é através dela que nos comunicamos com o mundo e que o constituímos - "...pela fala criamos no mundo estados de coisas novos" (Geraldi, p.51). Deixemos claro, entretanto, que sua sistematização é realizada em um local apropriado - a escola. Será, realmente, este o local mais apropriado para aprendermos língua? E se a resposta for afirmativa, como isto se dá?
Geraldi, eminente professor da UNICAMP e autor de diversos livros a respeito do ensino de língua materna nos afirma que
Para ensinar a língua materna, não se trata de devolver ao aluno a palavra para que emerjam histórias contidas e não contadas em função apenas de uma opção ideológica de compromisso com as classes populares. Devolver e aceitar a palavra do outro como constitutiva de nossas próprias palavras é uma exigência do próprio objeto de ensino. A monologia própria dos processos escolares, que reduz o mundo ao pré-enunciado por determinada classe social, é um dos obstáculos maiores interpostos pelo sistema escolar de reprodução de valores sociais à "eficiência" do próprio sistema. (GERALDI, 1996)
Ora, as palavras do autor nos fazem refletir acerca do discurso do professor, e da tendência educacional que este abraça.
Se sua concepção de ensino alicerça-se sobre a mera transmissão, reduzindo a tarefa de educar à utilização de livros didáticos, gramáticas e dicionários, em cujas páginas os conteúdos estão prontos, acabados e programados; se acredita no monólogo docente como atributo essencial na relação ensino-aprendizagem; se minimiza o conhecimento, entendendo-o como conteúdos que precisam ser internalizados, este profissional da educação compreende o ensino e, por extensão, o ensino da língua materna de uma forma técnico- instrumental.
Nesse sentido, a visão social de mundo é ideológica, reforçando a manutenção do ensino da forma como ele se apresenta comumente, hoje, sem maiores alternativas transformadoras.

Para Geraldi:
O risco que se corre numa visão instrumentalista do ensino de língua é o de abandono do significado das expressões ( e as cartilhas estão cheias de "textos" sem significados) , ou da aprendizagem da forma das expressões com conteúdos totalmente alheios ao grupo social que, aprendendo a forma, estará preparando-se para, ultrapassado o segundo momento, definir participativamente "um amplo projeto de transformação social. (GERALDI, 1996)
Essa perspectiva não enxerga no aluno um ser humano - cidadão, com possibilidades discursivas (independentemente da utilização da assim denominada "norma culta") e capacidade de entendimento das relações existentes no mundo. Por vezes, nos prendemos mais à forma (como o aluno se expressou, diante de determinado fato), do que à capacidade discursiva desse aluno (por que ele se expressou de determinada maneira, em relação a determinado fato e que sentidos construiu para aquele mesmo fato).

Visão sóciointeracionista: ensino como processo

Retornando às concepções de educação e ensino, o professor pode, ao contrário, compromissar-se com uma educação para a emancipação. Neste sentido, visualizará seu cotidiano a partir de uma relação dialógica, em que a troca discursiva ocorre a todo o momento com a turma principalmente em sala de aula; compreenderá o conhecimento como processo, aquisições em construção, portanto, intrinsecamente relacionado ao ato da descoberta, através também da ação discursiva, e das interações que ocorrem no coletivo da sala de aula. Dessa forma, em sua concepção de ensino de língua:
A dicotomia língua/fala é substituída por uma divisão tricotômica língua/discurso/fala, o conceito intermediário sendo construído como o lugar da definição da relação entre a invariabilidade da língua, cuja autonomia relativa é reconhecida, e a variabilidade da fala, cuja dependência a um discurso dado é estatuída. (GERALDI, 1996)
Em outras palavras, esta é uma concepção sóciointeracionista do ensino de língua materna, que privilegia a ação discursiva, o texto, no lugar das fragmentadas palavras e frases; que leva em conta os sentidos e significados emprestados, pelos alunos, às expressões, no momento do ato enunciativo; que pensa a língua como processo, e não como produto. Esta concepção insere-se, ainda, em uma visão social de mundo contraideológica ou utópica, que prevê a transformação, a busca do novo, ou de alternativas que construam outros sentidos para as ações político-pedagógicas.

Conclusão

As duas posições que apresentamos correspondem, assim, a diferentes visões sociais de mundo, de educação e ensino, de conhecimento, enfim. Esse emaranhado ideológico e contra ideológico nos faz caminhar, por vezes, para abismos e caminhos totalmente desconhecidos, desde que dele não tenhamos, pelo menos, uma noção aproximada. Ou seja, se não reflito sobre por que ensino determinado conhecimento, como o faço, e a partir de quais princípios e propostas, provavelmente estarei trabalhando de forma atabalhoada, sem um norte, mesmo que provisório...
As visões sociais de mundo estão presentes em nosso cotidiano, quer delas tenhamos conhecimento, consciência, ou não. Principalmente a visão ideológica... E ela trabalha muito bem com a língua, enquanto forma de linguagem. O anúncio abaixo, retirado de um jornal de grande circulação do Rio de Janeiro, fundamenta o que acabamos de expor:
 Lendo atentamente o anúncio, que relações você conseguiu estabelecer entre construção da língua materna e ideologia?



O que é ensinar?

Como definir o que é ensino, para chegar ao ensino de língua materna? Atualmente, nos deparamos com a preocupação que têm os educadores de "fazer educação", em lugar de "fazer ensino". Essa preocupação é legítima e tem suas razões. Pensemos um pouco a respeito disso, resgatando a concepção de ensino de alguns séculos antes de nós.
Para começar, vamos buscar a etimologia da palavra ensino: o termo vem do latim insignare, que significa "marcar com um sinal". Isso significa que o mestre deixa uma marca no seu discípulo, um sinal. Mas, que tipo de sinal?
Cardeal Mazarin sucedeu Richelieu em 1642, na França, e escreveu o Breviário dos políticos nos anos que assistiram às guerras civis inglesas, que culminaram na decapitação do rei Carlos I.
Repare que o próprio termo - imperativo - já se origina de imperar, mandar, ordenar...Todo imperativo reflete uma ordem, portanto.
Marcar com um sinal não é necessariamente algo positivo. Muitos ensinamentos visaram, ao longo da História, ao aperfeiçoamento da dissimulação e da vitória dos fortes sobre os excluídos. Um exemplo desse tipo de "mestre" é o Cardeal Mazarin que, em seu Breviário dos políticos, faz uma apologia, entre outras coisas, à arte de envolver através do poder das palavras. Esse poder é também garantido, como vimos, àqueles que possuem o saber instituído, e à suposição de que este saber confere à pessoa que o possui credibilidade e respeito, segundo o autor. Assim, o cardeal escreve seu breviário todo no imperativo, fazendo de seu ensinamento uma verdade a ser seguida. Vamos ver algumas passagens da obra citada:
Se deves escrever num lugar por onde passa muita gente, coloca verticalmente diante de ti uma folha já escrita e finge recopiá-la. Faz que todos a vejam.
 Repare que o próprio termo - imperativo - já se origina de imperar, mandar, ordenar...Todo imperativo reflete uma ordem, portanto.
 Cardeal Mazarin sucedeu Richelieu em 1642, na França, e escreveu o Breviário dos políticos nos anos que assistiram às guerras civis inglesas, que culminaram na decapitação do rei Carlos I.


Se uma frase desastrada te escapa, se dizes uma asneira, afirma imediatamente que o fizeste de propósito para colocar a assistência à prova ou para troçar de alguém.
Se alguém se engana por ignorância, que tuas perguntas não venham revelar que em seu lugar terias cometido o mesmo erro, estando na mesma ignorância.
É importante ler obras sobre a afirmação e a demonstração, a ordem e a colocação das palavras, a dedução, a prova e a argumentação, a redução dos silogismos, a maneira de dispor a premissa maior, de reforçar a menor e de consolidar ambas, as conclusões positivas ou negativas, as regras da objeção, as articulações do discurso, as leis de desenvolvimento de um parágrafo, as figuras de estilo, a avaliação da força ou da fraqueza de um ponto de vista contrário, de suas zonas de fragilidade e de seus recursos de defesa."
Consulta com frequência os tratados dos grandes retóricos: estes sabem não apenas provocar o ódio, mas também voltá-lo contra os que o provocaram; são capazes de excitá-lo ou de atenuá-lo. Eles te ensinarão igualmente como acusar ou te defender com a maior eficácia. O mais importante é aprender a manejar a ambiguidade, a pronunciar discursos que possam ser interpretados tanto num sentido como no outro a fim de que ninguém possa decidir." (MAZARIN, 1997.)
Segundo os conselhos do autor, a palavra deve ser uma arma, um escudo, um privilégio capaz de assegurar aos poucos que a aprendem a dominar uma boa dose de poder. Sob essa perspectiva, ensino que equivale a conselho é uma marca impositiva, que mostra o caminho do domínio. A linguagem do poder é manifestada inclusive por esse uso da palavra - ou da língua - mas também é reconhecida nos gestos, nas expressões, nas atitudes, como fica claro no primeiro trecho citado.

Até que ponto nossa linguagem ensina, até que ponto ela permite aprender?

E hoje? Que linguagem ou que linguagens temos utilizado nós, professores, em nossas salas de aula? Temos lidado com a construção do pensamento, a construção do saber, ou temos demonstrado o nosso pensamento e o nosso saber? Temos sido lentes?
Ao longo dos séculos, a interpretação da função do professor foi ficando também mais abrangente e bastante diferente. E sua linguagem, mudou? Foi-se o tempo em que "lente" era sinônimo de "professor", que era assim chamado porque era ele quem lia para os alunos. Era através de seu olhar que o aluno deveria aprender, "beber de suas palavras". Ou seja, um único olhar era admitido...
Mas será que esse "único olhar" é realmente único? Ao olharmos as figuras abaixo, enxergamos - todos - as mesmas imagens???







sexta-feira, 2 de novembro de 2012

RESENHA DO LIVRO: "A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER", DE PAULO FREIRE

Introdução
O livro “A Importância do Ato de Ler” de Paulo Freire, relata os aspectos da biblioteca popular e a relação com a alfabetização de adultos desenvolvida na República Democrática de São Tomé e Príncipe.
Ao mesmo tempo, nos esclarece que a leitura da palavra é precedida da leitura do mundo e também enfatiza a importância crítica da leitura na alfabetização, colocando o papel do educador dentro de uma educação, onde o seu fazer deve ser vivenciado, dentro de uma prática concreta de libertação e construção da história, inserindo o alfabetizando num processo criador, de que ele é também um sujeito.
1 - a importância do ato de ler
Segundo Paulo Freire a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra. O ato de ler se veio dando na sua experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do mundo do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo da sua escolarização, foi a leitura da “palavra mundo”. Na verdade, aquele mundo especial se dava a ele como o mundo de sua atividade perspectiva, por isso, mesmo como o mundo de suas primeiras leituras. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto em cuja percepção experimentava e, quando mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão ia aprendendo no seu trato com eles, na sua relação com seus irmãos mais velhos e com seus pais.
A leitura do seu mundo foi sempre fundamental para a compreensão da importância do ato de ler, de escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo através de uma prática consciente.
Esse movimento dinâmico é um dos aspectos centrais do processo de alfabetização que deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador.
A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Assim as palavras do povo, vinham através da leitura do mundo. Depois voltavam a eles, inseridas no que se chamou de codificações, que são representações da realidade. No fundo esse conjunto de representações de situações concretas possibilitava aos grupos populares uma “leitura da leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra. O ato de ler implica na percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do lido.
1.1 - Alfabetização de Adultos e Biblioteca Populares: Uma introdução
Para Paulo Freire falar de alfabetização de adultos e de biblioteca populares é falar, entre muitos outros, do problema da leitura e da escrita. Não da leitura de palavras e de sua escrita em si próprias, como se lê-las e escrevê-las, não implicasse uma outra leitura da realidade mesma, para aclarar o que chama de prática e compreensão crítica da alfabetização.
Do ponto de vista crítico é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, mais percebemos a impossibilidade de separar a educação da política e do poder.
A relação entre a educação enquanto subsistema e o sistema maior são relações dinâmicas contraditórias. As contradições que caracterizam a sociedade como está sendo, penetram a intimidade das instituições pedagógica em que a educação sistemática se está dando e alterando o seu papel ou o seu esforço reprodutor da ideologia dominante.
O que temos de fazer então, enquanto educadoras ou educadores, é aclarar assumindo a nossa opção que é política, e ser coerentes com ela na prática.
A questão da coerência entre a opção proclamada e a prática é uma das exigências que educadores críticos se fazem a si mesmos. É que sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso. Quem apenas fala e jamais ouve; quem “imobiliza” o conhecimento e o transfere a estudantes, quem ouve o eco, apenas de suas próprias palavras, quem considera petulância a classe trabalhadora reivindicar seus direitos, não tem realmente nada que ver com a libertação nem democracia.
Pelo contrário, quem assim atua e assim pensa, consciente ou inconsciente, ajuda a preservação das estruturas autoritárias.
Só educadoras e educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de ser educado pelos educandos.
Uma visão da educação é na intimidade das consciências, movida pela bondade dos corações, que o mundo se refaz. É, já que a educação modela as almas e recria corações ela é a alavanca das mudanças sociais.
Se antes a transformação social era entendida de forma simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das consciências, como se fosse a consciência de fato, a transformadora do real, agora a transformação social é percebida como um processo histórico.
Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra doada pelo educador aos analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam a realidade, agora pelo contrário, alfabetização como ato de conhecimento, como um ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. Agora já não é possível textos sem contexto.
A alfabetização de adultos e pós-alfabetização implicam esforços no sentido de uma correta compreensão do que é a palavra escrita, a linguagem, as relações com o contexto de quem fala, de quem lê e escreve, compressão, portanto da relação entre “leitura” do mundo e leitura da palavra. Daí a necessidade que tem uma de biblioteca popular, buscando o adentramento crítico no texto, procurando aprender a sua significação mais profunda, propondo aos leitores uma experiência estética, de que a linguagem popular é inteiramente rica.
A forma com que atua uma biblioteca popular, a constituição do seu acervo, as atividades que podem ser desenvolvidas no seu interior, tudo isso tem que ser como uma certa política cultural.
Se antes raramente os grupos populares eram estimulados a escrever seus textos, agora é fundamental fazê-lo, desde o começo da alfabetização para que, na pós-alfabetização, se vá tentando a formação do que poderá vir a ser uma pequena biblioteca popular com a inclusão de páginas escritas pelos próprios educandos.

1.2 - O Povo diz a sua Palavra ou a Alfabetização em São Tomé e Príncipe
Segundo Freire com a alfabetização de adultos no contexto da República Democrática de São Tomé e Príncipe, a cujo governo vem dando juntamente com Elza Freire, uma contribuição no campo da educação de adultos como assessor, se torna indispensável uma concordância em torno de aspectos fundamentais entre o assessor e o governo assessorado. Seria impossível, por exemplo, dar uma colaboração, por mínima que fosse a uma campanha de alfabetização de adultos promovido por um governo antipopular. Não poderia assessorar um governo que em nome da primazia da “aquisição” de técnicas de ler e escrever palavras por parte dos alfabetizando, exigi-se, ou simplesmente sugerisse que fizesse a dicotomia entre a leitura do texto e a leitura do contexto. Um governo para quem a leitura do concreto, o desenvolvimento do mundo não são um direito do povo, que, por isso mesmo, deve ficar reduzido à leitura mecânica da palavra.
É exatamente este aspecto importante — o da relação dinâmica entre a leitura da palavra e a leitura da realidade em que nós encontramos coincidentes os governos de São Tomé e Príncipes e nós.


Todo esforço que vem sendo feito em São Tomé e Príncipe na prática da alfabetização de adultos como na da pós-alfabetização se orienta neste sentido. Os cadernos de cultura popular vêm sendo usados pelos educandos como livros básicos, com exercícios chamados Praticar para o Aprender. A linguagem dos textos é desafiadora e não sloganizado. O que se quer é a participação efetiva do povo enquanto sujeito, na reconstrução do país, a serviço de que a alfabetização e a pós-alfabetização se acham. Por isso mesmo os cadernos não são nem poderiam ser livros neutros, é a participação crítica e democrática dos educandos no ato de conhecimento de que são também sujeitos. É a participação do povo no processo de reinvenção de sua sociedade, no caso a sociedade são tomense, recém-independente do jugo colonial, que há tanto tempo a submetia.
É preciso, na verdade, que a alfabetização de adultos e a pós-alfabetização, a serviço da reconstrução nacional, contribuam para que o povo, tomando mais e mais a sua História nas mãos, se refaça na leitura da História, estando presente nela e não simplesmente nela estar representado.
No fundo o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem, mas sabem que sabem.
O povo tem de conhecer melhor, o que já conhece em razão da sua prática e de conhecer o que ainda não conhece.
Nesse processo, não se trata propriamente de entregar ou de transferir às massas populares a explicação mais rigorosa dos fatos como algo acabado, paralisado, pronto, mas contar, estimulando e desafiando, com a capacidade de fazer, de pensar, de saber e de criar das massas populares.
Na alfabetização pós-alfabetização não nos interessa transferir ao Povo frases e textos para ele ir lendo sem entender. A reconstrução nacional, exigem de todos nós uma participação consciente em qualquer nível, exige ação e pensamento, exige prática e teoria, procurar descobrir de entender o que se acha mais escondido nas coisas e aos fatos que nós observamos e analisando.
A reconstrução nacional precisa de que o nosso Povo conheça mais e melhor a nossa realidade.


2 - análise das idéias do autor
Ao elaborar uma síntese das reflexões sobre o livro “A Importância do Ato de Ler” e as relações da biblioteca popular com a alfabetização de adulto de Paulo Freire, leva-nos a compreensão da prática democrática e crítica da leitura do mundo e da palavra, onde a leitura não deve ser memorizada mecanicamente, mas ser desafiadora que nos ajude a pensar e analisar a realidade em que vivemos. “É preciso que quem sabe, saiba sobre tudo que ninguém sabe tudo e que ninguém tudo ignora” (FREIRE, p.32).
É essencial que saibamos valorizar a cultura popular em que nosso aluno está inserido, partindo desta cultura, e procurando aprofundar seus conhecimentos, para que participe do processo permanente da sua libertação.
A biblioteca popular como centro cultural e não como um depósito silencioso de livros, é vista como um fator fundamental para o aperfeiçoamento e a intensificação de uma forma correta de ler o texto em relação com o contexto” (FREIRE, p.38).
Nesse sentido a atuação da biblioteca popular, tem algo a ver com uma política cultural, pois incentiva a compressão crítica do que é a palavra escrita, a linguagem, as suas relações com o contexto, para que o povo participe ativamente das mudanças constantes da sociedade.

O processo de aprendizagem na alfabetização de adultos está envolvida na prática de ler, de interpretar o que lêem, de escrever, de contar, de aumentar os conhecimentos que já têm e de conhecer o que ainda não conhecem, para melhor interpretar o que acontece na nossa realidade” (FREIRE, p. 48).
Isso só conseguimos através de uma educação que estimule a colaboração, que dê valor à ajuda mútua, que desenvolva o espírito crítico e a criatividade: uma educação que incentive o educando unindo a prática e a teoria, com uma política educacional condizente com os interesses do nosso Povo.
Conclusão


Concluímos com a leitura desse livro, nós educadores e educandos para melhorarmos nossa prática devemos começar a avalizar que, a importância do ato de ler, não está na compreensão errônea de que ler é devorar de bibliografias, sem realmente serem lidas ou estudadas. Devemos ler sempre e seriamente livros que nos interessem, que favoreçam a mudança da nossa prática, procurando nos adentrarmos nos textos, criando aos poucos uma disciplina intelectual que nos levará enquanto professores e estudantes não somente fazermos uma leitura do mundo, mas escrevê-lo o reescrevê-lo, ou seja, transformá-lo através de nossa prática consciente.
Sabemos que, se mudarmos nossa disciplina sobre o ato de ler, teremos condições de formar as nossas bibliotecas populares, incentivando os grupos populares e a escrever seus textos desde o início da alfabetização; assim iríamos aos poucos formando acervos históricos escritos pelos próprios educandos.
E através da cultura popular o que se quer é a afetiva participação do povo enquanto sujeito na construção do país, pois quanto mais consciente o povo faça sua história, tanto mais que o povo perceberá, com lucidez as dificuldades que tem a enfrentar, no domínio econômico, social e cultural, no processo permanente de sua libertação.